Terapia larval é um o nome de um procedimento médico de ponta no mundo inteiro e que foi trazido para o Brasil, para aplicação em humanos, por uma corajosa enfermeira do serviço público brasileiro. Julianny Ferraz é o nome da Técnica de Nível Superior que mudou a vida de muitos pacientes que passaram pelo Hospital Universitário Onofre Lopes com feridas em estado de necrose grave e que poderiam causar uma amputação.
A enfermeira Potiguar, Julianny Ferraz, recebeu o prêmio Anna Nery 2017, o mais importante prêmio de Enfermagem do Brasil. Julianny foi reconhecida pelo importante trabalho que desenvolve nas pesquisas do tratamento de feridas e terapia larval, no qual possui destaque nacional. Julianny, embora atue na área há 33 anos, ainda se emociona ao relatar a história de pacientes que passaram pelas suas mãos cuidadosas.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte abriga o grupo de pesquisadoras sobre Terapia Larval, onde, em 2011 se encontraram por meio de interesses em comum e nunca abandonaram a vontade de mudar a vida dos pacientes carentes que passam todos os dias pelos leitos do Hospital Universitário. A TNS Julianny sempre esteve em busca de atualização na sua carreira e sempre buscou defender seus direitos enquanto profissional, sendo filiada à ATENS UFRN desde o nascimento do sindicato, sempre buscou tornar seu ambiente de trabalho mais justo e igualitário.
O tratamento consiste no uso de larvas de moscas varejeiras para promover o desbridamento biológico, nome dado para o processo em que as larvas comem os tecidos mortos da pele e soltam em sua saliva substâncias que promovem a cicatrização das feridas mais rapidamente que métodos convencionais. Utilizado como tratamento no mundo inteiro, a terapia Larval começou a ser aplicada no Brasil através do trabalho pioneiro da enfermeira Julianny Barreto Ferraz, coordenadora da equipe de feridas do Hospital Universitário Onofre Lopes, em Natal. A prática do Desbridamento Biológico é antiga e atualmente é utilizada como rotina em países da Europa e nos Estados Unidos. Apesar dos benefícios cientificamente comprovados e de ser uma técnica de uso milenar, no Brasil, apenas o Rio Grande do Norte realiza esse procedimento. Para a enfermeira Julianny Ferraz os benefícios que a larva traz são impressionantes para o paciente, para a família e para o SUS, afirma.
O Desbridamento Biológico consiste na utilização de larvas estéreis da mosca Crysomya Megacephal, espécie de varejeira comum em Natal, em pacientes com feridas causadas por diabetes, úlceras e queimaduras.A técnica atualmente é usada no HUOL no tratamento de pacientes diabéticos, doença que atinge mais de um milhão de pessoas somente no Rio Grande do Norte. As larvas das moscas, após coleta, criação e esterilização em laboratório, localizado no Departamento de Ciências Biológicas da UFRN, são colocadas e mantidas nas feridas por um período de 48 horas. Estas larvas alimentam-se somente de tecido morto, estimulando a formação de tecido de granulação, promovendo a cicatrização da ferida.
A larva tem como função se alimentar do tecido morto e sua saliva possui substâncias que ajudam o tecido a se regenerar, sua urina muda o ph da pele e possibilita uma recuperação mais rápida e completa do que com métodos convencionais utilizados em hospitais.
O tratamento de rotina para a eliminação da pele necrosada de feridas, é comumente realizado de forma mecânica, por meio de raspagem utilizando um bisturi. No entanto, essa prática é muito agressiva e dolorosa para o paciente. Outro meio é a utilização de curativos à base de substâncias como a prata, procedimento que despende um custo altamente elevado para o hospital, além das muitas cirurgias de amputação que chegam a ser feitas devido à gravidade da ferida. São justamente esses fatores que tornam a terapia larval uma alternativa mais viável, tanto do ponto de vista econômico quanto científico e em relação ao bem-estar do paciente.
No Mundo
As lesões cutâneas são bastante comuns, e geralmente, há dificuldades de cura, em geral naquelas ligadas a diabetes. As feridas, especialmente em idosos, e certas infecções, particularmente com bactérias resistentes a antibióticos de vários tipos, dificultam a recuperação desses ferimentos, levando a riscos de amputação e mesmo ao óbito. Com mais de dez milhões de diabéticos no Brasil, a quantidade de casos de feridas com dificuldades para cura é muito grande.
Várias técnicas têm sido utilizadas para auxiliar na cura de lesões cutâneas, associadas a géis e antibióticos modernos, mas os tratamentos são demorados, caros e nem sempre eficazes.
A observação de que as larvas de certas moscas podem ajudar a limpar ferimentos e apressar a cura levou à chamada terapia larval, que teve seu apogeu entre as guerras mundiais. Após 1945, com o desenvolvimento de vários antibióticos, a medicina deixou de lado o uso desta técnica para o tratamento de feridas.
Em pouco tempo, percebeu-se que os antibióticos levavam à resistência, e que os tratamentos eram caros e resolviam somente parte dos casos, não conseguindo impedir consequências graves, como as amputações. Essas dificuldades proporcionaram o ressurgimento do interesse pela terapia larval, a partir da década de 1980. Atualmente, dezenas de milhares de pacientes com feridas de várias origens (diabetes, úlceras, queimaduras, fasciite necrotizante etc.) já foram tratados nos Estados Unidos e em vários países da Europa, principalmente no Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suécia. E desde 2011, no Brasil, mais especificamente no Hospital Onofre Lopes, em Natal.
Desafio dentro dos hospitais
As moscas são consideradas pela maioria das pessoas como seres nocivos ou, no mínimo, repulsivos. Para a enfermeira do HUOL Mariana Abreu Agra, especialista em dermatologia, o principal desafio para a expansão da terapia larval no Brasil é o conservadorismo médico, que muitas vezes prefere um tratamento convencional e se recusam a participar de especializações, seminários e congressos sobre o tema.
Os pacientes têm acesso à terapia larval através da palavra das enfermeiras do projeto, que ao receberem um paciente com uma ferida cutânea em estado de necrose de liquefação – um tipo de necrose onde a pele se encontra “mole”, com mau cheiro e coberta por uma colônia de bactérias – têm o papel de conscientizar à respeito das vantagens da terapia e da possibilidade de não ter o membro amputado. A adesão por parte dos pacientes é 100% positiva, cita Mariana Abreu.
Equipe de Capacitação em Terapia Larval (Julianny Ferraz, Simone Mary e Mariana Abreu)
Desde seu surgimento no Hospital Onofre Lopes, a terapia larval foi aplicada em 16 pacientes. Esse número é resultado de um trabalho incansável por parte da pequena equipe de enfermeiras e alunos de graduação, que se dedicam 24h por dia, sete dias por semana, aos cuidados da colônia de moscas do Centro de Biociências, que possui uma alimentação de dar inveja à qualquer inseto: leite ninho, farinha láctea, levedo de cerveja e ração para peixe.
A pesquisadora e professora Renata Antonaci, conta que um ponto marcante para a prática da Terapia Larval foi a possibilidade de se criar a colônia num laboratório próprio, mas que ainda é muito difícil manter os custos da criação das moscas e da manutenção do laboratório, por falta de investimentos e interesse por parte da Universidade. “Acredito que uma pesquisa que mostre o impacto financeiro da terapia larval faria com que a instituição abrisse os olhos para essa alternativa”, conta Renata. Atualmente, uma aplicação de larvas custa para o SUS pouco mais de $5,00, enquanto outras práticas, como a cirurgia, chegam a mais de $1.500,00.
As profissionais promovem cursos de capacitação para profissionais da saúde que se interessam na Terapia, oferecem simpósios, projetos de extensão e todos os métodos possíveis para tornar a prática, uma cultura hospitalar. “A vontade é conseguir aplicar a terapia larval em todos os pacientes que correm o risco de perder o membro por causa de uma ferida, mas não temos recursos físicos, humanos e laboratoriais para isso ainda”, afirma Julianny Ferraz.
As pesquisas caminham para um destino muito promissor na área da saúde que é a validação de técnicas da medicina alternativa, que tem o gosto tanto pela ciência quanto pelo bem estar do paciente. E enquanto contarmos com profissionais que se atualizam, buscam referências históricas e que botam suas idéias em prática compartilhando seus conhecimentos, visões de mundo e desejo de mudar o mundo, podemos manter a confiança numa sociedade mais humana e numa saúde pública mais integrativa.